24 de agosto de 2007

Porque há dias assim…


O barulho de fundo fez despertar o meu consciente. Algo ecoava pelas divisões da minha casa e o meu quarto não era excepção. Não cheguei a perceber que som era aquele, mas assim abri um pouco os olhos, constatei que a manha já havia passado. Entendi que o meu corpo já algum tempo que pedia descanso. O meu irmão ainda dormia profundamente, por isso deixei a aparelhagem desligada e dirigi-me ao banho.

Deambulei um pouco pela casa de boxers até perceber que a namorada do meu irmão se encontrava presente. Seria a primeira vez, neste dia que me sentia a mais na minha própria casa. Já vestido, dirigi-me à cozinha e lá tirei a minha primeira auto-análise do dia; fazia dias que andava com uma falta incessante de apetite. Optei então por aconchegar o estômago com apenas um copo de leite.

Após ter arrumado o meu quarto, tentei arranjar um plano para desfrutar um pouco do que restava do meu dia… mas nada me surgiu. Foi então que, pela segunda vez no dia me senti a mais no meu próprio domicilio. O olhar do meu irmão implorava por um pouco de privacidade e assim chegava a conclusão que tinha que sair.

Em parte a ideia agradava-me, pois as paredes do meu quarto há muito que deixaram de me inspirar e eu precisava muito de escrever. Arrumei tudo e arranquei em direcção de alguma coisa.

O calor apertava, sentia-se o suor das pessoas em todo lado, e eu parecia não ser excepção.

Chegava ao bar tropeçando em todos os olhares que se focavam em mim e assim me senti pequeno e estranho. Procurei por um lugar onde me sentisse inspirado e aqui me sentei.

Contudo a inspiração tardou a chegar.

Acordei do meu transe quando percebi que o copo estava vazio, o cigarro morto e a pastilha já não tinha sabor. Entendi então que o que é doce não amarga, mas perde o sabor e fiquei a pensar se não seria por isso que as pessoas estão sempre a dizer que eu sou um doce de pessoa. Fiquei assustado com tamanha dedução.

O violino e o piano inundam o meu cérebro de melodias que me fazeram regressar ao passado. Apesar do calor hoje sentido, as minhas memorias foram-se encontrar em noites de Inverno, onde a lenha estalava na fogueira, onde o som do romance se espalhava no ar e sentado num puff, lado a lado com outra pessoa, bebíamos um bom vinho que gentilmente animava a noite. Horas ouvindo a chuva cair, vendo o fogo consumir lentamente os troncos de madeira como se estivesse a degustar um doce raro. Era como apreciar um belo espectáculo de magia, um espectáculo que nos fazia brilhar os olhos após cada número.

Mas as memorias ao passado pertencem e hoje nada daquilo teria o mesmo sentido; hoje minhas retinas fixam-se noutros olhos, que tristemente parecem distantes de algo.

Teus olhos negam a existência de entes superiores! Tu és a prova que os Deuses não existem! Não lhes seria perdoado tal pecado.

Embalado pelo malte e pela cevada, sonho o meu sonho mais profundo, o sonho de mergulhar no infinito particular dos teus olhos e deixar-me inspirar pelo pecado que eles acarretam, o pecado de me deixar flutuar pelos aromas e fragrâncias da tua existência, de me envolver no teu paladar e deixar-me derreter sobre o calor da tua voz.

Se gostar de ti é pecado, eu quero arder no inferno, se gostar de ti é errado, já mais quero estar certo.

O problema é que eu, para ti, também sou como um doce! Começo a ficar cansado desta amarga vida de ser uma pessoa diferente, contudo refuto a hipótese de vir a mudar, pois apesar de tudo, gosto de mim, gosto de como sou, orgulho-me muito do que me tornei e estou a tornar. Se a vida não me der a hipótese de pecar, vou seguir em frente lutando para que o meu fado seja diferente um dia.

Já me sinto um pouco zonzo e paro para tentar perceber o que me deixara assim. Será o malte ou a cevada? O calor ou a música que me embala nesta odisseia?

Olhei para o relógio, mas não quis interpretar as horas. Senti que o tempo me desafiava para uma guerra à qual eu não quero entrar, pois tenho plena consciência que é uma guerra perdida a partida. Gosto de lutar mas só quando sei que tenho uma hipótese, não vou gastar mais energias em desafios que não me constroem.

Foco-me em qualquer coisa. Nas pessoas que estão na piscina, nas que estão no bar, nas que estão longe. Tento encontrar uma qualquer inspiração para fazer algo de novo, um desafio que muitos, gentilmente, me têm colocado; escrever um livro, mas com muito arrependimento e frustração vejo que não sou privilegiado com esse dom, e espero não desapontar ninguém. Contudo agradeço todo o vosso apoio, carinho e incentivo, mas ainda não me sinto preparado para tal.

Observo a minha carteira, e vejo que me é permitido ordenar mais uma cerveja. A ausência de comida no meu estômago parece deixar-me mais tonto, contudo o transe parece ser bastante agradável. Encosto-me para trás e choro lágrimas de alegria. Choro choros que ninguém pode ouvir ou ver. Choro por perceber que sou aquele que, por mais vezes que a vida castigue, todos os dias acordo com um sorriso no rosto e com vontade de lutar por algo mais.

"Felicidade: ventura; bem-estar; contentamento; bom resultado ou bom êxito; dita; qualidade ou estado de quem é feliz.”

Será que também nesta definição não se podia incluir, “estado ou qualidade daquele que acredita nele próprio”? Pois eu sou feliz, uns dias mais que outros, mas sou, porque hoje sinto que me demarquei pela unicidade, porque lutei por ser diferente e sempre acreditei que os grandes objectivos formam os grandes carácteres.

Sou feliz sim, e vou continuar a lutar por isso!

1 comentário:

Sophie disse...

"Entendi então que o que é doce não amarga, mas perde o sabor..."... é sem dúvida uma conclusão que tem tanto de inquietante como se verdadeira... a novidade e doçura do sabor rapidamente é consumido,alias, tudo se consome... o oxigénio está em todos os poros, a fonte de ignição é inata em todos os seres... todos nos vamos corroendo, tudo se vai gastando como um sol quente, forte e persistente numa cor alegre de verão. O laranja vivo dilui-se num amarelo debotado, sem alegria nem força... a euforia da novidade dá lugar à estagnação... o pior é que é um "tudo" com as letrinhas todas... verídico, corrosivo...

Inquietante, verdadeiro, incisivo, tal como os teus textos.

Continua assim...leitores estão garantidos. Cá espero o próximo...

Fica bem... com alguma cevada, malte e muita inspiração.

Bjs***