5 de fevereiro de 2007

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Não tardei a conhecer melhor essa flor. No planeta do principezinho sempre tinham existido flores muito simples, guarnecidas com uma única fiada de pétalas. Sabiam muito bem qual era o lugar delas e não incomodavam ninguém. Uma bela manhã despontavam na relva e, nessa mesma noite, apagavam-se. Mas aquela, aquela germinara de uma semente vinda sabia-se lá de onde e o principezinho pusera-se logo a viagar atentamente aquele rebento que não se parecia nada com os outros rebentos. Talvez fosse uma nova espécie de embondeiro... M as bem depressa o arbusto deixara de crescer para começar a preparar uma flor. O principezinho, que assistia ao despontar de um botão enorme, estava mesmo a ver que dali iria sair uma aparição miraculosa; mas a flor nunca mais acabava de se arranjar, de se pôr bonita, sempre trancada no seu quarto verde. Escolhia as cores com todo cuidado. Vestia-se vagarosamente assentando as pétalas. Não queria sair toda amarrotada, como as papoilas. Só queria aparecer no máximo esplendor da sua beleza. Oh, sim! Ela era mesmo muito vaidosa! Levara dias e dias a preparar-se. E um bela manhã, precisamente ao nascer do sol, fizera a sua aparição.
E ela, que demorara tanto tempo a arranjar-se, bocejou e disse:
-Ai! Ainda mal acordei... Peço-lhe que me perdoe... Estou toda despenteada...
Mas o principezinho não pôde conter a sua admiração:
-Você é tão bonita!
-Lá isso é verdade... - respondeu a flor, com uma voz mansinha - E nasci ao mesmo tempo que o sol...
O principezinho suspeitou logo que a modéstia não devia ser o seu forte; mas era tão enternecedora!
-Creio que está na hora do pequeno-almoço - disse, daí a pouco - É capaz de de ter bondade de pensar na minha pessoa?
E o principezinho, todo atrapalhado, fora buscar um regador de água fresca para servir a flor.
Depressa começara portanto a atormentá-lo com a sua vaidade, as suas susceptibilidades e os seus carichos.
Um belo dia, por exemplo estando a conversar com o principezinho acerca dos 4 espinhos, disse:
-Se os tigres, com aquelas garras, pensam que me metem medo... Cá os espero!
-Mas no meu planeta não há tigres! - objectara o principezinho. - E aliás, os tigres não comem erva...
-Eu não sou erva - respondera a flor, com uma voz meiguinha.
-Desculpa...
-De facto, dos tigres não tenho medo nenhum. Mas correntes de ar... Por acaso não tem por aí um biombo?
"Já é azar, para uma planta ter medo das correntes de ar, pensara o principezinho. "Mas que flor tão
complicada!"
-À noite, quero que me cubra com uma redoma. É que faz tanto frio aqui... Há tão poucas comodidades...Lá de onde eu venho...
Mas calara-se imediatamente.
Quando ali chegara, era uma semente. Evidenmte que nao podia ter visto nada noutros mundos. Humilhada por se ter deixado apanhar numa mentira tão ingénua, tossira duas ou 3 vezes para conseguir virar o bico ao prego:
-Então, esse biombo?
-Estava para ir buscar, mas como você ainda nao tinha acabado...
A flor pôs-se a forçar a tosse. Mesmo assim, ele ainda havia de ficar com remorsos!
Deste modo, apesar de toda a boa vontade do seu amor, o principezinho começara a desconfiar dela. Tinha levado a sério meia dúzia de coisas insignificantes e saíra-se muito mal.
Sentia-se muito infeliz.
Um dia, confidenciou-me:
"Nunca lhe devia ter dado ouvidos. Deve-se é olhar para elas e cheirá-las. A minha, perfumava-me o planeta todo, mas eu não era capaz de dar a valor a isso. E aquela fanfarronice das garras, que me irritou tanto, devia era ter-me enternecido..."
E também me contou que:
"Não fui capaz de entender nada. Devia tê-la avaliado, não pelas suas palavras, mas pelos seus actos. Ela perfumava-me e dava-me luz! Eu nunca devia ter fugido! Devia era ter sido capaz de perceber toda a ternura escondida naquelas suas pobres manhas. As flores são tão contraditórias! Mas eu era novo de mais para a saber amar."

Eu também tive a minha flor...

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