3 de maio de 2007

Clock goes by… so quickly!

Sete e trinta da amanha e o despertador já tocava. Os olhos, doridos da claridade que invadia o meu quarto, acusavam algum cansaço. Lentamente comecei a habituar-me a luminosidade. Segundos depois acordaram os meus ouvidos fazendo-me aperceber que a rádio tocava uma melancólica musica qualquer. Sentei-me na cama voltei a fechar os olhos, e foi com eles bem fechados que comecei a delinear a minha rotina matinal. Abri os olhos e cheguei-me a porta da minha varanda. Olhei por aquela barreira visível mas transparente. Observei o céu e vi que estava cinzento, triste. A tristeza parece ser contagiante, tão contagiante que a terra não hesitou em usar a gravidade para reclamar de mim uma lágrima. De uma maneira inconsciente transportei-me até à casa de banho. Entrei no duche e cedo percebi que iria ser mais rápido que o habitual, pois a água acusava uma escassez de gás na botija. Com o banho de água morna, despertei o corpo. Dirigi-me ao lavatório para completar a minha higiene. Enquanto esfregava os dentes percebi que só o corpo tinha acordado. A minha cabeça parecia ter ficado no meu quarto. Após a breve passagem pela cozinha, encaminhei-me para o meu quarto, mas no caminho reparei numa foto que se encontrava há anos no mesmo sítio, mas sem saber porquê, só hoje havia reparado nela. Parei um pouco para a observar. Uma foto com mais de uma década e meia, foto essa que incluía quatro pessoas. Ali naquele momento apenas reconhecia duas delas, os meus pais que pareciam inalterados pelo tempo. Do outro lado estavam duas crianças, duas crianças que já não existem, dois rostos muito mudados. Após alguns segundos reconheci-me a mim e ao meu irmão. Sem muito mais tempo para contemplar aquela fotografia, pois o relógio não parava, apressei-me a ir para o meu quarto. A imagem daquela foto não me saia da cabeça.

Enquanto fumava um cigarro na paragem do autocarro voltei a pensar na dita imagem, uma fotografia que já acumulava algum pó na moldura. Senti que o tempo era impiedoso. Veio-me ao pensamento a conclusão que estou apenas a 5 anos de atingir os 30! Poderia ser uma sensação de inevitabilidade mas não, foi uma sensação de alarmante, que me fez perceber que a minha adolescência já vai longe e que ainda não tenho uma vida definida. A ideia de ser um trintão e morar em casa dos meus pais deixou-me apavorado!

O autocarro chegava trazendo com ele a minha rotina. Já sentado mirei-me no reflexo da janela. Voltei a pensar na foto, na minha imagem e perguntei-me em que espaço temporal havia eu perdido a minha inocência! Estava confuso, dei por mim a meditar sobre as minhas memórias, e percebi que havia perdido muitas delas por entre fotografias. Instintivamente o meu corpo moveu-se para o cais do metro. Para ele era só mais um dia, mas para a minha mente algo estava diferente. O metro chegava, como sempre cheio. Acabei por ficar de pé, virado para uma janela. A minha imagem voltava a reflectir-se no vidro, enquanto o metro percorria o breu do túnel, e a desvanecer-se enquanto o metro estava parado nos iluminados cais.

Toda a minha longa manha foi centrada numa fotografia e em breves memórias de um passado já algo distante. Foi mais uma manha triste. Na sala de aulas focava a minha mente na janela que me dava a transparecer uma serenidade no exterior, quebrada apenas pelo abanar dos galhos das árvores quando o vento se erguia um pouco. O céu continuava cinzento, tal como a minha mente, tal como a voz do professor que orava algo ao qual eu não conseguia prestar atenção. Senti uma ausência total de sabor na vida. Deambulei de sala em sala a procura de um estímulo qualquer para me motivar. A manha chegava ao fim sem que algo acontecesse.

Por entre o fumo do cigarro e o aroma do café vi que estava sozinho no meio de tanta gente desconhecida. A foto, ainda presente, alertava-me que o tempo não pára. Senti-me impotente, ali, desperdiçando minutos de juventude que caminha a passos largos para o fim.

A tarde passara sem que me apercebesse bem do que havia vivido.

Agora é noite e eu estou no meu quarto. Algo está diferente desde que o deixei esta manha. Voltei a chegar-me a janela e percebi que o que havia mudado era a cor do céu. Está limpo, ao ponto de tornar visível algumas constelações. No topo encontra-se a lua. Parece-me quase cheia, grande o suficiente para transformar o negrume da noite em apenas sombras. Dispus-me de maneira a ser visado, também, pelos seus raios. Não eram quentes como os do sol, mas funcionaram como um sedativo que alivia a dor.

“Está frio na rua.” Penso eu para mim, e nessa altura correu-me um arrepio pelo corpo. Não consegui perceber se era um arrepio de frio ou se era um arrepio por outra razão qualquer. Abriguei-me de novo no meu quarto. A luz fraca do meu candeeiro de sal, dá um tónico vermelho ao meu quarto. Havia algo naquele ambiente que me perturba, algo que eu não me lembro de ter pressentido antes. Fechei os meus olhos e ouvi um tic-tac. Descobri que tinha um relógio pendurado no meu placard, há anos. Está um pouco atrasado mas funcional. A presença temporal estava a ser uma constante no meu dia. Percebi que algo, desde cedo, me atraía para rever os meus álbuns de memórias. Sem querer contrariar o sentido oportunista do destino decidi corre-los a todos. Ver fotografias da minha infância, pré-adolescência e adolescência faz-me perceber que a vida nem sempre tem sido madrasta, e que até tem me proporcionado momentos de grande riqueza emocional. Por vezes sinto-me injusto para com esses momentos, pois parecem estar escondidos num recanto qualquer do meu coração a ganhar pó, quando merecem ser recordados todos os dias quando acordo.

Seleccionei algumas das fotos, e reordenei o meu pequeno placard, que se encontra afixado na parede frontal à minha cama.

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, toda esta premissa transpira verdade. Afastando-me do placard, para que o pudesse contemplar como um todo, e vi como o que parecia tão real e certo anos atrás, não passava agora de meros sonhos e ilusões já esquecidos ou desiludidos. Contudo não deixei de sonhar, de lutar por aquilo que penso ser o melhor, mesmo sabendo que amanhã tudo pode ser um falhanço. Trabalho todos os dias para um futuro mais consistente possível, empenhando-me sempre para atingir a perfeição. Toda esta temática fez-me lembrar uma conversa que tive com uma outra pessoa que me havia dito que exigir de nós a perfeição era um defeito. Na altura não soube argumentar, mas agora vejo que tudo em excesso é um defeito, e sei que é preciso saber exigir de nós. Em todo o trabalho que faço, empenho todo o meu saber, toda a minha dedicação, e sei sempre que o resultado pode ser sempre melhor, mas sei também que fiz o melhor que eu soube. Há quem diga que sempre fui um inconformado, mas esse inconformismo levou-me até onde eu cheguei, e sei que me vai levar ainda mais longe. A essas pessoas que dizem que serei sempre um inconformado, eu respondo dizendo: antes inconformado que resignado, pois é esse inconformismo que me faz crescer.

Fecho os álbuns e mais uma vez guardo-os no devido lugar. Junto das outras pequenas lembranças, como prendas e postais.

Dirijo-me mais uma vez à minha varanda para fumar mais um cigarro. Algo se torna mais uma vez implícito em mim, um sorriso descarado, desavergonhado, cheio de coragem mesmo depois um dia tão triste, tenho imensas razões para sorrir. A vida não pára, e eu também me vou recusar a parar. Não sei donde vou retirar tanta força, mas sinto-me, novamente, capaz de espalhar a minha magia!

“As if life isn’t short enough”

Um novo dia está a chegar…

Sem comentários: